quarta-feira, 14 de maio de 2008

G1 publica a "verdade" sobre a Arca da Aliança... Bem, talvez...

[Daniel Lüdtke]

Não é de hoje que a mídia apresenta notícias sensacionalistas com a alcunha de “verdade”. O G1 publicou em 11 de maio: Conheça a verdadeira ‘cara’ da Arca da Aliança, objeto mais sagrado da Bíblia”. Segundo a reconstituição apresentada, a peça sagrada original teria dois cavalos alados sobre a tampa, ao invés dos dois anjos mencionados na Bíblia. Esses cavalos seriam a revelação do passado politeísta do povo de Israel. O leitor, todavia, ávido por ter acesso a essa “verdade”, depara-se com um texto não-conclusivo, longe da veracidade proposta na chamada.

Assim, em contraste com a afirmação categórica do título, a reportagem é recheada de termos como: “Lembra um bocado”; “parece ter tido sua origem”; “parece que”; “deve ter acontecido”; “provavelmente”. Veja:

"A Arca parece ter tido sua origem nos amuletos protetores parecidos com caixas usados até hoje por algumas tribos de beduínos. Colocadas em cima de camelos, essas caixas são a vanguarda das migrações deles, da mesma maneira como se descreve a Arca liderando os israelitas no deserto", escreve Stephen A. Geller, professor de estudos bíblicos do Seminário Teológico Judaico de Nova York.

"Parece que a tendência ao aniconismo [ou seja, a não fazer imagens divinas] é uma coisa que veio mais tarde, por volta dos séculos 8 a.C. ou 7 a.C.", afirma ele. "Antes disso, a prática do politeísmo [adoração a vários deuses] no Templo de Jerusalém deve ter acontecido normalmente."

O próprio Tabernáculo dá indicações da associação do culto israelita com deuses dos cananeus, moradores politeístas da região que se tornaria Israel. "O principal deus cananeu, El, era retratado como morando numa tenda, no alto de uma montanha", afirma Christine Hayes, professora de Bíblia Hebraica da Universidade Yale (EUA). É uma imagem que lembra um bocado Javé, o qual ordena a construção do Tabernáculo e fala com Moisés no monte Sinai.

Legenda: Monstro alado de palácio assírio do século VIII a.C.: os querubins da Arca da Aliança provavelmente tinham uma aparência desse tipo.


O fato de lembrar um bocado não significa muita coisa. Parecer também pode não indicar nada mais que parecer. A mídia insiste em afirmar ao invés de supor, apontar. E quando o assunto é Bíblia, não importa a fragilidade das evidências. Se elas aparentemente contradizem as Escrituras, pode-se tomar isso como verdade. Ponto final.

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